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A disfagia, doença mais comum entre idosos, pode afetar também pacientes jovens, especialmente quem sofre de distúrbios do trato intestinal

No dia 20 de março, celebra-se o Dia Nacional de Atenção à Disfagia (dificuldade de deglutição ou engolir), doença que frequentemente acomete pessoas idosas, mas também é uma sequela grave de casos da Doença de Refluxo Gastroesofágico, que não foram devidamente tratados, podendo, portanto, acometer pessoas jovens. A data foi escolhida porque nesse dia, no ano de 2010, foi publicada a Resolução Conselho Federal Fonoaudiologia (CFFa) nº 383, que dispõe sobre as atribuições e competências relativas à especialidade em Disfagia.

“Quando a disfagia surge em decorrência da doença do refluxo, normalmente é devido a sequelas graves que o refluxo causou”, explica o endoscopista membro titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva, Hugo Gonçalo Guedes. O médico destaca que várias outras doenças são tidas como sequelas do refluxo que se estendeu por longo tempo e não foi tratado adequadamente. “Estenoses esofágicas e câncer no esôfago são complicações graves do refluxo e que também podem ocasionar a disfagia baixa, que por si pode dar sintomas graves ou moderados, mas quando relacionada ao refluxo ela tem uma intensidade maior”, esclarece.

Além da dificuldade para engolir os alimentos ou líquidos, outros sinais da disfagia são a sensação de entalamento ou de que o alimento está preso na garganta, tosse e/ou regurgitação nasal. As principais complicações que podem ser ocasionadas pela doença são: o aumento das chances de pneumonia aspirativa; a ampliação do tempo de internações – devido à desnutrição e à desidratação; o desinteresse por alimentos; a debilitação da saúde de modo geral; e a consequente perda da qualidade de vida.

“O paciente que tem refluxo e que depois de algum tempo apresenta sintomas de disfagia precisa procurar o mais breve possível uma assistência médica, preferencialmente de seu médico endoscopista, para que ele possa identificar o fator causal”, afirma Hugo Gonçalo Guedes.

Novo tratamento
O médico ainda ressalta que é  importante que se faça um diagnóstico correto do refluxo por meio de exame de endoscopia, PHmetria e estudo de manometria, para que se identifique a melhor opção de tratamento, que vai desde medidas alimentares, comportamentais, uso de medicamentos e em quadros mais graves cirurgias convencionais ou endoscópicas.

Recentemente, para os casos mais graves de doença do refluxo, o Brasil passou a contar com um novo recurso, a fundoplicatura endoscópica com o dispositivo médico Esophyx. O procedimento busca trazer o mesmo efeito da fundoplicatura cirúrgica, porém de forma muito menos invasiva e com uma recuperação mais rápida.

“Aprovado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] em outubro do ano passado, esse novo recurso terapêutico é bem menos invasivo, traz menor nível de complicação, resultados efetivos, representando, portanto, menos tempo de afastamento do trabalho e das atividades do dia a dia”, informa Eduardo Grecco cirurgião do aparelho digestivo, especialista em endoscopia digestiva, professor da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo e um dos responsáveis pela realização da primeira fundoplicatura endoscópica na América Latina, realizada no Brasil no final do último mês de janeiro.

A maioria das pessoas não sabem que o maior e mais complexo sistema do corpo humano é o aparelho digestivo. Constituindo-se por um longo tubo que começa na boca, passa pelo esôfago, segue pelo estômago, intestino delgado, intestino grosso e, por fim, o esfíncter anal, além de estar ligado a dois importantes órgãos: o fígado e o pâncreas.

Podem existir múltiplos pontos para o descontrole deste complexo sistema. Como é uma rede interligada, para algumas funções é preciso que outras aconteçam antes, durante ou depois do processo digestivo

Esta maravilhosa máquina é capaz de executar muitas funções independentes em cada setor, mas que de alguma maneira estão interligadas. Podemos compará-la à regência de uma orquestra, composta por vários instrumentos que, juntos e em perfeita harmonia, produzem um concerto encantador. Da mesma maneira, o aparelho digestivo produz o milagre da perpetuação de nossa espécie através da manutenção do processo de absorção e transformação dos vários elementos nutritivos necessários à nossa vida.  

Representando o grande maestro, temos o sistema nervoso entérico (SNE). Uma complexa rede, formada por neurônios e gânglios nervosos, denominados plexos, que se interligam e executam multitarefas com relação à condução, absorção de proteínas, gorduras, vitaminas e eliminação de produtos desprezados pelo processo de excreção. Há também o mecanismo de reciclagem, como é o caso do ferro, no qual aproveitamos 98% daquilo que perdemos, em função da sua reabsorção no intestino grosso.

Outra comparação que podemos fazer é à uma fábrica, em que as máquinas e engrenagens são orientadas por um sistema micro e comandados por um sistema maior. No caso do sistema digestivo, o cérebro (sistema nervoso central) ajuda a regular algumas funções. O termo “Eixo cérebro intestinal” representa esta interação e, por meio dele, é possível observar que um sistema influencia o outro. Por exemplo, quando subimos em uma montanha russa e estamos no ponto mais alto do brinquedo, sentimos um “frio na barriga”, que nada mais é do que uma manifestação da emoção, do medo, causado pelo nervo vago que emerge do sistema nervoso central e que excita o sistema nervoso entérico e produz a sensação de desconforto na região central da barriga.

Portanto, podem existir múltiplos pontos para o descontrole deste complexo sistema. Como é uma rede interligada, para algumas funções é preciso que outras aconteçam antes, durante ou depois do processo digestivo.

Para ter ideia: uma alimentação mal mastigada tem dificuldade de ser transportada no esôfago e, quando chega ao estômago, demora para ser digerida. Por conta disso, o processamento do alimento é dificultado, atingindo os intestinos que ainda não estão prontos para a absorção de nutrientes e podem, eventualmente, influenciar o funcionamento intestinal para mais ou para menos. Muitas situações são decorrentes dos nossos hábitos de vida, do tipo de alimentação, podem ser consequências de outras doenças, pós estados tóxicos ou infecciosos ou por alteração de estados emocionais. Existem vários fatores em conjunto e individuais que podem determinar uma disfunção em um setor específico ou então em vários que se interdependem.

As doenças funcionais digestivas constituem o maior contingente de motivos para consultas e exames em todo o mundo, pois são universais, atingindo todas as etnias, classes sociais e faixas etárias.

Podemos dizer que as síndromes mais frequentes são a Dispepsia Funcional, a Síndrome do Intestino Irritável e a Constipação Intestinal Funcional. Como característica principal e comum entre elas, apresentam sintomas diários ou intermitentes que tiram a qualidade de vida do indivíduo, com longa duração, menos ou mais intensos, impedindo que as pessoas atingidas por essas síndromes tenham uma vida com mais conforto.

Dispepsia Funcional

A dispepsia funcional é caracterizada por sintomas que sugerem o acometimento do estômago ou do duodeno na ausência de qualquer anormalidade de natureza orgânica, estrutural ou metabólica que possa explicar o quadro. Os sintomas mais comuns são dor na região do estômago, difícil digestão, peso ou de estufamento no abdômen alto, regurgitação e arrotos frequentes.

Síndrome do Intestino Irritável

A síndrome do intestino irritável caracteriza-se pela combinação dos principais sintomas: dor ou desconforto abdominal e alterações bem definidas do hábito intestinal, como constipação ou diarreia. Essas manifestações têm intensidade variável, piorando com alguns tipos de alimentação e em determinadas épocas de vida. Não existem também alterações estruturais ou orgânicas que os justifiquem.

Constipação Intestinal Funcional

Muito frequente em nossa era, a constipação intestinal funcional caracteriza-se pela dificuldade de evacuar em diferentes intensidades, com presença de fezes endurecidas, havendo muito esforço para o movimento evacuatório, associada com frequência à sensação de abdômen inchado e dor no baixo ventre.

Diagnóstico

Para diagnosticar qualquer doença funcional, o médico tem que excluir causas orgânicas mais graves como inflamações, tumores ou doenças metabólicas. Para isso, é necessário solicitar exames especializados, que são realizados muitas vezes ao longo da vida de um indivíduo.

 Neurogastroenterologia

As doenças funcionais são um grande desafio e derivaram uma nova especialidade: a Neurogastroenterologia. Temos evoluído muito nos últimos anos no conhecimento para a compreensão destas alterações, mas ainda há um longo caminho para percorrer até o entendimento de toda a complexidade.

É possível afirmar que cada paciente tem um perfil geral comum, mas com respostas distintas, evolução em tempos diferentes, podendo-se dizer que cada um tem a sua doença funcional e o desafio do médico é saber interpretar e entender como funciona ou não o maior órgão do corpo humano naquele indivíduo.

Dr. Ricardo Guilherme Viebig é Diretor Técnico do Núcleo de Motilidade Digestiva de Neurogastroenterologia (MoDiNe) do Hospital IGESP e Presidente da Sociedade Brasileira De Motilidade Digestiva e Neurogastroenterologia.

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