O que é mieloma múltiplo e como tratá-lo
Por Dr. Breno Gusmão
Para entender o que é o mieloma múltiplo, tipo de câncer que atinge, na maior parte dos casos, pessoas acima dos 60 anos, é fundamental conhecer primeiro o sangue. E você já vai saber o porquê!
Ele é constituído por uma parte líquida (o plasma, que é formado por água e elementos químicos, como proteínas, hormônios, minerais, vitaminas e anticorpos) e por uma parte celular (as células sanguíneas).
Tanto o plasma, quanto as células sanguíneas, circulam por todo o corpo, nos chamados vasos sanguíneos. Então, o sangue, os vasos sanguíneos e o coração, juntos, formam o sistema circulatório.
AGORA, O SANGUE UM POUCO MAIS DE PERTO
A medula óssea é o tecido encontrado no interior dos ossos, chamado popularmente por ‘tutano’. Ela produz todas as células presentes na corrente sanguínea.
As células sanguíneas são formadas a partir das células-tronco hematopoiéticas, que são células muito jovens. Com o processo de maturação, as células ficam mais maduras e passam a se diferenciar em diversos tipos.
Os três tipos básicos de células do sangue são:
- Glóbulos vermelhos ou hemácias – que transportam oxigênio para o corpo
- Glóbulos brancos ou leucócitos – responsáveis por defender o corpo contra vírus, bactérias, dentre outros perigos
- Plaquetas – que coagulam o sangue, evitando hemorragias.
Em um processo normal, o indivíduo produz continuamente estas células. Mas no mieloma múltiplo, os glóbulos brancos começam a dar problema.
ENTENDA OS GLÓBULOS BRANCOS
São dois os principais tipos de glóbulos brancos (ou leucócitos), que defendem o organismo: os mieloides e os linfoides.
Os tipos de células mieloides agem no sistema de defesa “comendo” os invasores. Já as células linfoides (ou linfócitos) fazem com que o corpo “lembre e reconheça” os invasores, ajudando em sua destruição.
Os linfócitos podem ser divididos em dois subtipos: os de células T e os de células B. Ambos estão presentes em diversas áreas do corpo, como axila, virilha, pescoço, intestino, corrente sanguínea…
Porém, suas funções são diferentes. Os linfócitos de células B agem sempre buscando os alvos malignos para “denunciar” aos linfócitos T, que então irão destruir os invasores.
Os linfócitos B, quando reconhecem a presença de um invasor (antígeno), se diferenciam e se multiplicam, transformando-se em milhões de plasmócitos. Estes, por sua vez, vão produzir bilhões de anticorpos de defesa, chamados imunoglobulinas.
MAS, O QUE É O MIELOMA MÚLTIPLO?
O mieloma múltiplo tem início na medula óssea, quando no momento em que os linfócitos se diferenciam para, então, tornarem-se plasmócitos, ocorre uma mutação celular em um ou mais genes e passam a produzir plasmóticos anormais.
Os plasmócitos defeituosos/doentes acumulam-se na medula óssea, formando os plasmocitomas, que atrapalham o funcionamento das células saudáveis. Os plasmocitomas podem crescer dentro do osso e também fora dele.
Quando crescem dentro do osso, podem danificar a estrutura óssea. O mieloma múltiplo acontece quando estas células doentes estão dentro e fora do osso.
Este tipo de câncer corresponde a cerca de 1% dos tumores malignos e 15% das neoplasias hematológicas. Em estudos, observou-se que o MM é duas vezes mais comum entre os negros e também tem maior probabilidade de desenvolvimento em homens.
E A PROTEÍNA M?
A principal função dos plasmócitos é produzir as imunoglobulinas, responsáveis pela defesa do corpo.
Plasmócitos anormais produzem imunoglobulinas anormais, que não conseguem exercer suas funções de proteção e formam um amontoado de proteínas “bagunçadas”, chamadas proteína monoclonal ou proteína M.
Esta é uma outra característica bem típica e bastante importante em pacientes com mieloma múltiplo, que pode ser detectada no sangue ou urina.
Alguns pacientes não apresentam sintomas. Mas, dentre aqueles que apresentam, os mais comuns são:
- Cansaço e fraqueza
- Palidez
- Perda de peso
- Mau funcionamento dos rins, inchaço nas pernas
- Sede exagerada e perda de apetite
- Dores ósseas (especialmente na coluna) e fraturas espontâneas;
- Infecções constantes
- Anemia
- Nível elevado de cálcio no sangue
Importante! O médico responsável por diagnosticar e tratar o mieloma múltiplo é o onco-hematologista.
Para os pacientes que não apresentam sintomas, muitas vezes o diagnóstico é realizado em um exame de rotina, como o hemograma (exame de sangue). Nele, será possível ver as alterações celulares.
Para uma melhor análise, o médico pedirá uma biópsia da medula óssea, quando um fragmento do osso da bacia é retirado e analisado em laboratório para definir a quantidade de plasmócitos presentes.
Ao desconfiar que pode ser um mieloma múltiplo, serão indicados eletroforese de proteína e imunofixação de proteína, ambos realizados por meio de coletas de sangue e urina. O objetivo é encontrar a proteína M no sangue do paciente.
Também é possível que sejam solicitados exames como radiografia óssea, tomografia computadorizada, PET Scan e ressonância magnética, para verificar se há alterações nos ossos e se também há presença de plasmocitomas.
Está bem estabelecido o consenso de iniciar tratamento nos pacientes com sintomas CRAB:
- C – Cálcio elevado
- R – Insuficiência Renal
- A – Anemia
- B – Lesões ósseas
Recentemente, o grupo internacional de mieloma recomendou o início do tratamento nos pacientes com doença assintomática de alto risco. São os casos que o mieloma não apresenta CRAB, porém há alto risco de progressão em pouco tempo de evolução.
São várias as opções de medicamentos que compõe o tratamento do mieloma múltiplo.
Quimioterapia
Este é o tratamento mais comum. Vários medicamentos extremamente potentes no combate à doença são utilizados com o objetivo de destruir, controlar ou inibir o crescimento das células doentes.
Sua administração é feita em ciclos, com um período de tratamento, seguido por um período de descanso, para permitir ao corpo um momento de recuperação. O uso de cateteres é necessário.
Alguns efeitos colaterais podem surgir, como enjoo, diarreia, obstipação (intestino preso), alteração no paladar, boca seca e feridas na boca (mucosite). Mas existem medicamentos que podem amenizá-los.
A queda de cabelo também costuma acontecer, pois a quimioterapia atinge as células malignas e as saudáveis também, em especial as que se multiplicam com mais rapidez, como os folículos pilosos responsáveis pelo crescimento dos cabelos.
A imunidade baixa, comum a esta fase do tratamento, pode facilitar o surgimento das infecções.
Imunomoduladores
Estes medicamentos atuam diretamente no sistema imunológico do paciente e apresentam melhores respostas.
Talidomida – Este medicamento é utilizado como primeira linha para o tratamento de pacientes refratários ou que tenham recidivado à quimioterapia. Dentre seus efeitos colaterais estão sonolência, fadiga, constipação (intestino preso) e neuropatia (fraqueza, dormência e dor principalmente nas mãos e nos pés).
Lenalidomida – Utilizado em combinação com a Dexametasona em pacientes de mieloma múltiplo recidivados e que já tenham recebido ao menos um protocolo de tratamento. Também está indicada em terapia combinada na primeira linha de tratamento, quando não é possível realizar o transplante de medula óssea e também como terapia de manutenção nos pacientes que realizaram o transplante. Dentre as ações no organismo estão a melhora das atividades das células imunes e a inibição da inflamação destas células, melhorando a ativação dos linfócitos T e das células conhecidas por natural killer (NK) – que ajudam a matar as células do câncer.
Pomalidomida – Em combinação com a Dexametasona, é indicado no tratamento de pacientes com mieloma múltiplo em recidiva (quando a doença volta), que tenham recebido pelo menos dois tratamentos prévios, incluindo a Lenalidomida e Bortezomib. Este medicamento ainda não está aprovado no Brasil.
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Dr. Breno Gusmão: Formado em Medicina pela Universidade Complutense de Madrid, especializado em Hematologia e Hemoterapia pelo Hospital San Pedro e mestre em Medicina pela Universidade de Zaragoza. Atualmente, integra o corpo clínico de Onco-Hematologia da BP – A Beneficência Portuguesa, em São Paulo.